Conheça o escritor Carlos H. Kruschewsky
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Atualizado: há 2 horas
"Um dia, a insistência produzirá algo de que você vai se orgulhar em saber que saiu de você."
Carlos H. Kruschewsky nasceu em Feira de Santana, na Bahia, em 1987. É psicólogo clínico e atua como psicanalista de orientação lacaniana. Também é presidente do Dragornia Motoclube e sócio da Dragornia Cervejaria. Ao longo de quatro anos, foi colunista da revista Nação Cervejeira, onde publicou inúmeros artigos sobre gastronomia e cultura cervejeira, uma série de contos intitulada “Todos os dias a cerveja salva a minha vida”, além de artigos sobre música para o Acorda Cidade, um grande jornal local de sua cidade.
Dando sequência para nossa série de entrevistas com autores da Palavra & Verso, trazemos aqui um pouco da trajetória literária de Carlos, bem como suas inspirações, seus próximos projetos, etc. Confira:

Palavra & Verso - Para começar, você poderia nos contar como começou sua trajetória na literatura e o que te motivou a escrever?
Carlos H. Kruschewsky - Olha, é difícil dizer como começou. Eu sou um sujeito com TDAH e me acostumei com a ideia de escrever mal, mas sempre gostei de contar histórias. Embora acreditasse que minha dificuldade juvenil nunca me permitiria fazer isso de maneira minimamente aceitável, fui teimoso. Comecei escrevendo crônicas para RPG, fiz grandes memórias e construí boas narrativas durante esse período, mas eu queria mais. Então, fiz da escrita uma atividade cotidiana. A gente é o que faz todos os dias. Eu queria escrever como os grandes escritores da minha família. Insisti. Acho que a motivação veio disso: do desejo, da insistência e da teimosia.
Palavra & Verso - O que inspirou a criação de A Matilha e desse grupo tão particular de amigos motociclistas?
Carlos H. Kruschewsky - A Matilha é um livro bem íntimo, assim como O Vazio. Muita gente acha que é uma história biográfica, que estou contando sobre meus amigos, mas essa é uma história sobre um cara quebrado, tentando juntar os cacos de si mesmo, tentando encontrar sentido no caos e desesperado para voltar para casa. Eu compus os personagens como fragmentos da minha própria personalidade, despedaçada durante um período de luto. Reunir essa galera era como reunir versões de mim mesmo, perdidas no tempo e na minha própria estrada.
Palavra & Verso - Existe algum autor ou obra que tenha influenciado fortemente sua escrita?
Carlos H. Kruschewsky - Tem. Tem muitos, na verdade. Quando jovem, eu era atravessado pelos grandes da fantasia. Tolkien, Martin, Neil Gaiman. Acho que um ponto de virada foi quando comecei a ler distopias. Foi nesse momento que entendi que a fantasia podia mexer com a percepção de futuro e de como a gente conduz a própria vida. Ray Bradbury, Huxley, Orwell, William Gibson e Zamiátin fizeram minha cabeça durante muito tempo. Mas minha escrita é muito influenciada também por Edgar Allan Poe, Machado de Assis, Gabriel García Márquez, Lourenço Mutarelli (meu autor favorito atualmente) e, claro, uma carga enorme de Psicanálise, afinal, sou psicólogo e psicanalista.
Palavra & Verso - A narrativa de A Matilha acompanha personagens que se afastaram ao longo dos anos. Como você desenvolveu a ideia de confrontar o passado e os “fantasmas” de cada personagem?
Carlos H. Kruschewsky - Eu escrevi A Matilha em 2017, um dos piores anos da minha vida. Eu me sentia fracassando em muitos lugares, principalmente naqueles onde acreditava que não podia fracassar. Isolado num apartamento, escrevia para conseguir dormir à noite. Um dia, numa sessão de análise, comecei a falar sobre a necessidade de reencontro com versões minhas do passado: o Músico, o Professor, o Bom Amigo, o Irmão Amoroso, o Bom Pai, o Bom Marido, o Bom Filho e, por que não, o Escritor. Eu sentia que tinha falhado em todas essas esferas e precisava me reconciliar com essas partes perdidas. Então me imaginei sobre minha moto, encontrando esses pedaços de mim.
Foi importante. Os fantasmas de cada um parecem críveis porque, de forma alegórica e muitas vezes metaforizada, cada personagem carrega dilemas que refletiam os meus próprios dilemas pessoais da época.
Palavra & Verso - Como é o seu processo criativo? Você planeja detalhadamente suas histórias ou escreve de forma mais espontânea?
Carlos H. Kruschewsky - Uma vez ouvi o George R. R. Martin dizer algo sobre isso e nunca mais consegui explicar de outra forma. Ele dizia que escrever é como ser um jardineiro: você planta uma semente e rega. Existem jardineiros que, quando a árvore começa a crescer, empenam os galhos, moldam a criação para que ela tenha uma aparência desejada. Outros observam a árvore crescer, escrevem sobre o que presenciam, gozam da sombra, experimentam o fruto e descrevem em seus cadernos.
Eu sou muito como o segundo jardineiro. Às vezes é como se eu estivesse escrevendo coisas que escuto da boca dos meus personagens, descrevo como se estivessem acontecendo ali, na minha frente (como um bom fofoqueiro, risos). Em A Matilha, há um evento que escrevi dezesseis vezes tentando evitar, desesperado para mudar o destino, até entender que era aquilo mesmo que devia acontecer. Parece doido, mas gosto de pensar que sou só um condutor.
Palavra & Verso - Qual foi o maior desafio que você encontrou ao longo da sua carreira como escritor?
Carlos H. Kruschewsky - Ao longo da minha carreira! (Risos) Me senti o Paulo Coelho agora. Mas, de verdade, o meu maior inimigo tem nome, sobrenome e CPF: se chama Carlos H. Kruschewsky. Ser um sujeito com TDAH é um inferno. Já escrevi muito, fui colunista de revistas, jornais e lutar contra a procrastinação sempre foi terrível. Como romancista, também não é fácil. Me apaixono fácil por projetos, vou enfrentando desafios como Hércules cortando cabeças da Hidra. Para cada cabeça cortada, duas surgem no lugar. Se eu não tiver controle e disciplina, essa Hidra me devora.
Atualmente, estou escrevendo duas histórias, uma delas (A Titanomaquia) é sequência direta de A Matilha, vinte anos depois dos acontecimentos. Mas se eu bobear, começo mais vinte e três projetos (risos). Por isso, a disciplina é minha arma mágica contra meu supervilão.
Palavra & Verso - Seus livros costumam abordar temas específicos. Como você escolhe os assuntos que quer explorar em suas obras?
Carlos H. Kruschewsky - É... eu acho que faço isso mesmo. O tema é o psiquismo humano. Eu costumo dizer que escrevo num estilo muito próprio, que é exatamente como minha cabeça funciona. As coisas não são contadas em ordem cronológica; seguimos na narrativa como quem monta um quebra-cabeças. Tanto o tema quanto o estilo vêm muito do fato de eu ser psicólogo. São quase quinze anos de profissão, sustentados pelo fato de eu adorar gente e histórias.
Minha vida, ou boa parte dela, é estar envolto em narrativas pessoais, personagens do cotidiano, quebrados por dentro, buscando redenção, aceitação ou resignação diante da própria história. Eu escuto. Também escrevo sobre isso. No fim, somos sujeitos forjados pelo caos, tentando encontrar uma ordem para chamar de nossa.
Palavra & Verso - Para os leitores que ainda não conheceram A Matilha, qual sentimento ou experiência você espera que eles levem após terminar a leitura?
Carlos H. Kruschewsky - Eu gostaria muito que encontrassem em meus personagens a humanidade necessária para tolerar seus defeitos. Quando escrevi A Matilha, queria dizer que nem sempre a vida é como esperamos, que cada minuto é importante, que não vale a pena passar uma vida inteira envolto em trabalho sem sentido e no fim ter a sensação de que 80% do que viveu você nem se lembra. Que as pessoas à nossa volta são importantes, e que, mesmo que não sejam tão importantes para você, talvez você seja importante para elas e nem saiba.
Palavra & Verso - A literatura nacional tem ganhado cada vez mais espaço. Na sua opinião, qual é o diferencial do autor brasileiro frente a autores de outros países?
Carlos H. Kruschewsky - Essa é boa. Afinal, os autores gringos levam vantagem nas gôndolas das livrarias. O Dan Brown lançou um livro novo esses dias. O Segredo de não sei o quê (risos). Não quero desrespeitar o Dan Brown. Gosto bastante dos livros dele, li todos. Mas a gente sabe: o Robert Langdon vai estar no meio de uma confusão, tentando resolver um caso cheio de símbolos e teorias da conspiração. Ainda assim, o livro chega às prateleiras e esgota em seis horas.
Esses dias li O Rio Que Me Corta Por Dentro, do Raul Damasceno, uma das coisas mais lindas que li este ano. Por que esse livro não está esgotado? Por que o Eduardo Rocha, autor de Ellynia, não figura entre os grandes da fantasia? Tenho a sensação de que a literatura nacional vive do saudosismo dos grandes do passado, como se ficássemos lambendo uma ferida que nunca cicatriza. Temos Itamar Vieira Junior, Conceição Evaristo, Raphael Montes… esse pessoal devia estar nas escolas.
Mas ler virou um hobby de nicho, e enquanto for assim, gente boa vai continuar esquecida, a não ser que uma obra fure a bolha e vire série ou filme. Meu sonho é realmente ver na prática os autores nacionais explodindo de vendas e serem reconhecidos por isso. Sobretudo, o autor independente.
Palavra & Verso - Como você lida com críticas e feedbacks dos leitores? Eles influenciam seu trabalho de alguma forma?
Carlos H. Kruschewsky - Nossa… espinhoso. Eu queria dizer que não me importo com as críticas, e definitivamente não me sinto influenciado pelos leitores. Mas tem um menino dentro de mim que gostaria muito que gostassem. Parece bobo, mas a gente escreve e torce para alguém ler. Acho que isso acontece com todos. Da pessoa que escreve um diário e o esconde (torcendo para que alguém um dia leia), até o Chico Buarque.
A gente quer ser lido, quer que alguém se conecte com o sentimento expresso nas palavras. Críticas não me machucam, obviamente, e se acertam num ponto fraco da armadura, eu levo para análise. Gosto de escutar as pessoas que leram o que escrevi. A gente cresce com isso. Eu sei na prática o que é crescer com base em críticas. Mesmo as negativas, quando fazem sentido, têm o potencial de mudar uma maneira de pensar; quando não, servem como desafio. E como minha matéria de trabalho são sentimentos, acabo usando isso para criar.
Palavra & Verso - Existe algum personagem ou obra sua que tenha um significado especial para você? Por quê?
Carlos H. Kruschewsky - Eu gosto muito do protagonista de O Cheiro do Ralo, do Lourenço Mutarelli. Ele é um sujeito terrível, cheio de problemas que poderiam ser vistos como desvio de caráter, quase uma estrutura perversa. Entretanto, o jeito como Mutarelli constrói esse cara faz com que você compreenda sua história. Ele te pega em alguma identificação (afinal, nenhum de nós é tão limpinho quanto gostaria de parecer) e, ao mesmo tempo, você torce para ele se ferrar no fim.
Dos meus personagens, tenho uma ligação curiosa com o Simas, de A Matilha. Ele é todo problemático, toma várias decisões erradas na vida, mas, do ponto de vista psicológico, é o personagem que eu mais gostaria de atender no meu consultório.
Palavra & Verso - Qual conselho você daria para quem deseja iniciar na escrita hoje em dia?
Carlos H. Kruschewsky - Escreva. É isso. Escreva... mas escreva todo dia. Compre um sketchbook e anote pensamentos. Se perca dentro da cabeça, se ache… ou não se ache. Aconteça o que acontecer, continue escrevendo.
Escreva como quem segura uma lanterna; escreva como se precisasse guardar dentro de si coisas que não podem ser tocadas nem guardadas numa caixa. Permita-se olhar depois para o que escreveu e entender que não vai ficar bom de cara, que você vai escrever muita porcaria, que pode acabar escrevendo “você” com “s”. Tudo bem. Um dia, a insistência produzirá algo de que você vai se orgulhar em saber que saiu de você.
Palavra & Verso - Para finalizar, você poderia nos falar um pouquinho sobre O Vazio, seu próximo livro que será publicado conosco?
Carlos H. Kruschewsky - O Vazio é produto da obsessão e do sofrimento. É uma alegoria de dois textos do Freud: Luto e Melancolia e Recordar, Repetir e Elaborar. É a jornada de um sujeito preso dentro da própria cabeça, tentando fugir de pensamentos e sentimentos que, por muito tempo, forjaram suas atitudes e o conduziram a um cárcere, um inferno muito pessoal, construído sob medida para ele.
É uma história curta, e permanecerá assim por dois motivos: primeiro, porque ela demanda digestão. Embora você possa matar o livro numa tarde de leitura, talvez não deva. Segundo, porque estou mais preocupado com o tempo que essa história vai ficar dentro do leitor do que com o tempo que ele vai passar segurando o livro. O Vazio é uma experiência analítica que demanda cuidado... sobretudo cuidado com o leitor.



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