"Concentre-se, faça o seu trabalho, divirta-se. O resto é só barulho."
Ana Paula Clara mora no Mato Grosso com a família, plantas e dois furacões em forma de cão e gato. Equilibra seus incontáveis projetos enquanto ouve k-pop, lê mangá e escreve sobre bruxas, fantasmas e protagonistas nem tão indefesas assim. Bruxa e oráculo nas horas vagas, recebeu dos pais também artistas tudo o que precisava para criar seus próprios universos. Está sempre escrevendo alguma coisa e tomando chá, e qualquer fato semelhante com suas histórias talvez não seja mera coincidência.
Dando sequência para nossa série de entrevistas com autores da Palavra & Verso, trazemos aqui um pouco da trajetória literária de Ana Paula Clara, bem como suas inspirações, seus próximos projetos, etc. Confira:
Palavra & Verso - Como é a sua rotina de escrita? Você estabelece metas para si mesma?
Ana Paula Clara - Eu poderia passar o dia todo escrevendo ― mas a rotina diária nem sempre permite. Eu trabalho fora e estudo e não tenho tanto tempo para escrever como gostaria, mas tento me organizar para ser produtiva ― ainda mais se estou trabalhando em um livro e defino um limite de tempo. Tento escrever pela manhã pois é quando me sinto mais enérgica. Como nem sempre é possível, escrevo depois que volto do trabalho e termino meus deveres da faculdade. O ritmo pode ser lento, mas ainda sim é um avanço. Escrever pouco é melhor que escrever nada. Quando estou trabalhando em um projeto, me obrigo a escrever todos os dias, pelo menos 1.500 palavras, exceto final de semana, pois meu trabalho me deixa muito ocupada e entendi que traçar metas realistas é importante para não me frustrar. Nos dias de folga escrevo mais e é nesse equilíbrio que segue meu trabalho.
Palavra & Verso - Você escreve de maneira intuitiva? Como é o seu processo de busca por aprimoramento?
Ana Paula Clara - Depende do que estou escrevendo. Há histórias que exigem mais tempo e atenção, então preciso de um projeto para reunir todas as informações, principalmente se tenho muitos personagens e eventos para que nada escape, assim não deixo buracos na história ou pontas soltas. Mas há histórias que seguem com um planejamento mais simples, o outline por fim é básico e me deixa mais livre para criar. Entretanto, nunca começo uma história sem saber como vai terminar. Se tenho um fim, então eu construo o durante. Se não consigo imaginar o final, deixo a ideia de lado. E como o processo de cada história é único, acabo aprendendo muito sobre escrever e sobre como o trabalho funciona para mim. Tenho meus rituais antes de começar um livro. Busco leituras que me ajudam a reforçar alguns pontos da história, sejam de escrita ou relacionados ao meu tema para entender qual é a profundidade do que estou escrevendo, e se me ajudam a delimitar um limite, então posso trabalhar nisso e tentar ir além. Escrever um livro é uma jornada, e a cada livro cresço como autora e tudo que aprendi durante a escrita me prepara para ir mais além no próximo.
Palavra & Verso - Ainda falando sobre o seu processo de criação, quais são os desafios diários de ser escritora?
Ana Paula Clara - Não é fácil equilibrar todas as esferas da vida. Tento fazer o melhor que posso por cada coisa, ainda que seja impossível dar 100% da minha dedicação em tudo, então uma coisa ou outra acaba sendo prejudicada. É difícil chegar do trabalho no final do dia e perceber que você não vai escrever tanto quanto gostaria e que talvez você nem consiga colocar no papel tudo que planejou porque você simplesmente está cansado demais. Mas você sabe que se quer um livro novo, então vai passar por cima do cansaço e vai escrever, mesmo que você só escreva por quinze minutos, mesmo que você esteja dormindo no teclado.
Palavra & Verso - Quem mais te apoiou no começo da sua carreira como escritora?
Ana Paula Clara - Meus pais serão os eternos culpados por tudo. Minha mãe em especial, com todos aqueles filmes de terror, os livros e as coleções de rock. Foi minha mãe que me deu minha primeira máquina de escrever e financiou todas as minhas ideias desvairadas. Nos momentos em que minha fé se abala, é minha mãe quem me olha com aquela expressão séria ― aquelas que só as mães conseguem fazer, tão séria que falta de fé nenhuma dura. É ela quem me faz reagir. Foi muito mais fácil seguir escrevendo tendo ela como apoio. Meu pai me ensinou a crer na magia, mas foi minha mãe quem me ensinou como torná-la real.
Palavra & Verso - Existe algum livro de Romance, Fantasia ou qualquer outro gênero que gostaria de ter escrito?
Ana Paula Clara - Gostaria de ter escrito O Castelo Animado, da Diana Wynne Jones. Ler e reler essa história é como abrir uma porta para um lugar especial e meu coração se enche de alegria e conforto, funciona como um remédio para a alma. Amo tanto o universo e os personagens que gostaria de ter criado essa história.
Palavra & Verso - Como surgiu a ideia de escrever “A Improvável Lista de Felicidade”? E como surgiu a ideia para o título do livro?
A culpa é da Anne Rice e das fanfics! Meu começo como escritora foi em sites de fanfics. Foi uma época maravilhosa e aprendi muito sobre escrever ali, em contato direto com os leitores. E nessa época eu conheci as Crônicas Vampirescas, da Anne Rice, minha autora soberana. E com as andanças do Lestat por São Francisco eu me apaixonei pela cidade. E minha forma de homenagear tudo que amo é escrevendo. Na época, eu devia ter dezessete anos ou dezoito, e escrevi uma fanfic na cidade com a música Your Love, da banda britânica The Outfield, que acabou se tornando a música tema de A Improvável Lista de Felicidade. Eu também escrevia contos de listas na época que faziam sucesso entre os leitores. Logo depois comecei a escrever meus próprios romances e as fanfics ficaram de lado. Escrevi um livro de fantasia, meu primeiro livro (vocês o conhecerão num futuro próximo), mas na época tive problemas severos com ansiedade. Fiquei meses sem escrever e achei que nunca mais conseguiria escrever nada, quando às vésperas do NaNoWriMo me bateu uma vontade maluca de participar e eu tinha duas semanas para planejar uma história e entrar na competição. Abri mão de toda a complexidade que eu tinha adquirido escrevendo um livro tão grande de fantasia e deixei que tudo que eu amava fluísse ― uma história leve e doce seguindo uma lista, música e São Francisco ― eu sabia que tinha que ser São Francisco ―, e então A Improvável Lista de Felicidade nasceu. E como a ideia da história surgiu como uma lista, com os passos e os lugares pelos quais Kate e Colin passaram, achei justo deixar que o livro tivesse o nome original da lista.
Palavra & Verso - Como você configurou os personagens principais da obra, Kate e Colin? Fale um pouco sobre o processo de criação dos personagens.
Ana Paula Clara - Kate, Christine e Chrystal (a mãe e irmã da Kate) são inspiradas em pessoas reais. A dinâmica na vida real é praticamente a mesma do livro, só que na vida real as pessoas que me inspiraram a escrever esses personagens não alcançaram uma resolução feliz. Já o Colin nasceu da minha necessidade de criar um personagem masculino legal, que fosse leal, doce e gentil. Não gosto de personagens masculinos tóxicos que no final milagrosamente se redimem e a mocinha passa por cima disso em nome de um felizes para sempre. Há jornadas e jornadas, mas se eu puder fazer um personagem machucado que ainda sim possa se desenvolver sem esmagar a autoestima da protagonista, então farei. Haverá muitos Richards para ocupar os papéis de babaca. E haverá muitos Colins fofos nos meus livros.
Palavra & Verso - Você tem muitos projetos em mente? Pode falar sobre algum deles? Fale um pouco sobre sua trajetória literária.
Ana Paula Clara - Estou trabalhando em uma coletânea de contos paranormais prevista para outubro, em comemoração do Halloween enquanto me preparo para lançar trabalhos maiores e mais ambiciosos, desta vez no meu gênero de conforto que é a fantasia, onde comecei como leitora e escritora. E é claro que o universo de A Improvável Lista de Felicidade vai crescer em breve. Amo esses personagens e quero que tenham a chance de contar suas histórias. Meg terá sua vez em breve e espero que as pessoas a recebam com tanto carinho quanto receberam Kate e Colin. Se preparem para mais jornadas malucas e improváveis.
Palavra & Verso - Gostaria de deixar um recado de motivação para novos escritores continuarem a buscar por seus sonhos?
Ana Paula Clara - Não vou cair no clichê de que o autor precisa estudar ― não apenas escrita, mas o mercado e marketing, além de ter disciplina e dedicação. O autor vai perceber que sem isso ele não consegue permanecer no mercado por muito tempo. Isso se tornou o básico. Mas o que me ajuda nos dias difíceis é o seguinte: se divirta no processo. Quem está começando foca muito no lançamento, mas isso é uma parte muito pequena da produção de um livro. Você vai passar mais tempo na concepção, planejamento, escrita e edição do que lançando livros, então precisa estar pronto para passar meses com uma história que às vezes não sai como você planeja, que às vezes mostra um furo que você só percebe tarde demais, que às vezes dá num muro e você não sabe como prosseguir. Você vai enviar para um editor, vai receber um monte de marcações em vermelho no manuscrito e precisa lidar com o fato de que talvez algumas sugestões tornem sua história melhor e que não é pessoal. E quando esses momentos difíceis chegarem, você precisa lidar com eles, e talvez só se agarrando na ideia da publicação você perca um pouco do tesão de criar, sabe? O processo é maravilhoso, desafiador e você aprende um bocado ― sobre escrever, sobre os leitores e sobre você. Então meu conselho é esse: divirta-se com o seu trabalho, porque haverá dias que é só isso que vai manter você diante de uma tela, que só o amor pela escrita não vai ser o suficiente para te manter escrevendo, porque no fundo escrever nem sempre é fácil e a vida pode ser complicada, mas chutar a bunda de um personagem cretino, ou corrigir um parágrafo tosco que deixa tudo mais fluido ou que acertou em cheio no ritmo te dá uma sensação de que você está no caminho certo e faz com que você se sinta um autor incrível. Desafie-se, teste coisas, dê um tempo quando tudo parecer perdido e não leve tudo tão a sério. Escrever é sobre isso mesmo. Sentar a bunda na cadeira e deixar a imaginação correr livre e se divertir no meio do caminho. Concentre-se, faça o seu trabalho, divirta-se. O resto é só barulho.
Palavra & Verso - E por último, um bate e volta:
Uma pessoa: Minha mãe
Um livro: Frankenstein
Uma música: Long Black Road - Electric Light Orchestra
Um gênero: Paranormal
Um filme: A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
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