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Sobrevivendo ao vale da morte com Giovana Khalil

Foto do escritor: palavraeversopalavraeverso
"A escrita sempre foi meu refúgio, de todas as formas. [...] Foi a maneira que encontrei de colocar tudo para fora."

Giovana Khalil, também conhecida como "Miss Walker" nas redes sociais, é radialista formada e trabalha com a criação de narrativas psicológicas e concepção de direção de fotografia desde muito cedo. Criadora de conteúdo do Plantão Geek, um dos canais mais acessados do YouTube quando se trata da série popular da Netflix Stranger Things, Giovana expandiu seu conhecimento para seus inscritos com conteúdo voltado para o mundo das séries, utilizando o que sabe de cinema na elaboração de teorias e críticas.

Dando sequência para nossa série de entrevistas com autores da Palavra & Verso, trazemos aqui um pouco da trajetória literária de Giovana, bem como suas inspirações, seus próximos projetos, etc. Confira:





Palavra & Verso - Como você começou a escrever e quem mais incentivou você no início da sua carreira literária?

Giovana Khalil - A escrita sempre foi meu refúgio, de todas as formas. Desde um poema até um livro e, eventualmente, um roteiro. Creio que fui pelo caminho dos livros porque sempre amei ler. Dou muito crédito desse hábito aos meus pais, que sempre traziam algo para que eu pudesse ler, nem que fossem gibis. Filha de professores, como sou, a leitura sempre foi muito valorizada em casa. Quando cresci e conheci os roteiros, vi que uma história poderia ter diversas formas de ser contada e que havia maneiras diferentes de colocá-las no papel.

Sobre minha escrita em si, eu diria que As Crônicas do Novo Mundo é o projeto mais pessoal e significativo da minha vida. Isso se deve ao momento em que comecei a planejar essa história, que foi no ano de 2013. No começo, meus maiores apoiadores eram meus amigos — porque eram os únicos que sabiam desse meu lado. Com o tempo, minha mãe também se tornou uma grande apoiadora. Naquela época, eu estava passando pelo momento mais difícil da minha vida, psicologicamente falando, e… bem… nunca fui alguém muito aberta emocionalmente. Minha válvula de escape foi a escrita. Parecia-me muito mais fácil transformar meus sentimentos em pessoas ou criar personalidades novas em uma história que pudessem sentir o que eu estava sentindo. Foi a maneira que encontrei de colocar tudo para fora. Acho que foi por isso que demorei tanto tempo para publicar o livro, porque sempre senti que, a partir do momento em que o publicasse, eu me sentiria muito exposta. Estou pronta para isso agora.



Palavra & Verso - Existe algum autor ou obra que tenha influenciado profundamente o seu estilo de escrita, ou você tem alguma inspiração literária que reflete em seus livros?

Giovana Khalil - Me apeguei muito a escritores e cineastas do gênero de terror e suspense, como Stephen King, Alfred Hitchcock, Edgar Allan Poe, Mary Shelley, Bram Stoker, George Romero, Robert Kirkman, H. P. Lovecraft, William Peter Blatty, entre outros. Há também referências camufladas, como em um easter egg. Eu amo histórias com simbolismo, onde nada — literalmente, nada — é por acaso. Pessoalmente, o estilo de King me atrai bastante, pois ele transforma o psicológico no maior obstáculo para os personagens.



Palavra & Verso - O que você acha mais gratificante ao ver sua obra publicada e recebendo a resposta do público? Como a interação com os leitores impacta seu processo criativo?

Giovana Khalil - Definitivamente, o mais gratificante é perceber o quanto a sua história pode impactar pessoas de formas diferentes e, por vezes, de maneiras que você sequer imaginava. Da mesma forma que a literatura me ajudou (e me ajuda!) em momentos difíceis, é quase mágico observar que meu livro fez o mesmo por algumas pessoas. Minha história está bem finalizada em minha cabeça, então eu diria que os leitores podem influenciar a maneira como exponho minhas ideias, e não as ideias em si. Ao conhecer o público cada vez mais, aprendo como devo me comunicar com eles por meio de meus livros.



Palavra & Verso - Para escritores que estão começando sua carreira, qual conselho você daria para que eles possam ter sucesso e desenvolver sua própria voz literária?

R: Algo que digo para meus alunos em meu curso de Fundamentos da Narrativa pode ser aplicado aqui: não se force a escrever nada. Sei que é frustrante e que podem haver dias em que surja uma decepção relacionada a não estar escrevendo o suficiente, mas não se apressa a criatividade. Se tudo o que você conseguiu escrever em um dia foram 50 palavras, então já foi um progresso. Se não conseguir escrever nada, ainda assim é um progresso — mas este você não pode ver. É melhor escrever algo que valerá a pena ler do que escrever por obrigação.

Aconselho sempre estar em contato com suas referências, para que isso gere gatilhos criativos. Escreve histórias de fantasia? Consuma fantasias! Leia muito, isso é importante! Gosta de triângulos amorosos? Consuma histórias que contêm esse elemento narrativo! O seu estudo também é um progresso, por mais que ainda não o coloque no papel. Não se apegue a fórmulas, pois não há nenhuma.



Palavra & Verso - O que inspirou você a escrever O Vale da Morte? E qual foi o ponto de partida para este livro?

Giovana Khalil - A franquia da qual O Vale da Morte faz parte sempre foi pensada como uma história grandiosa. É loucura dizer que comecei minha história pelo final?! Não me refiro ao final do primeiro livro, e sim ao final do último livro! Para mim, isso caiu como uma luva, pois, desde o início, eu tive um norte. Eu sei para onde estou indo.

O universo de O Vale da Morte veio até mim quando eu estava na sala de espera de um hospital, em 2012. Estava próxima a uma sala de emergência, onde macas e mais macas cruzavam meu caminho, e eu me pegava pensando no que havia acontecido com aquelas pessoas. Muitas respostas surgiram em minha cabeça, então comecei a anotá-las. Fiquei tão imersa em minhas anotações que, quando cheguei em casa, tive pesadelos com elas. No sonho, eu vivenciava um mundo destruído — foi aí que O Vale da Morte nasceu.

Com certeza, The Walking Dead teve uma participação importante durante a concepção da minha narrativa. Era o material de zumbis com o qual eu mais tinha contato na época em que comecei a escrever, e é inegável a presença de homenagens no livro à saga do Robert Kirkman. Sempre fui fascinada pela construção de personagens dessa série!Juntando tudo isso, comecei a ver a escrita como uma forma de me expressar, de colocar para fora todos os meus maiores medos, angústias, decepções e extremos. Foi assim que nasceu minha carreira de escrita.



6. O processo de criação do enredo e dos personagens parece ser fundamental para a

construção de uma história tão envolvente. Como você desenvolve seus personagens? Eles são baseados em pessoas reais ou frutos da sua imaginação?

Giovana Khalil - Meus personagens protagonistas foram baseados levemente em pessoas que conheço — os tais amigos próximos que mencionei anteriormente! Fisicamente, meus personagens se assemelham a eles, e até mesmo algumas histórias de flashbacks são histórias verdadeiras. A essência da protagonista é, de forma exagerada, minha essência. Sou eu, elevada a um extremo que nunca atingi (ou que já cheguei perto de atingir).

Sou fascinada pelo desenvolvimento de personagens. Em minha formação acadêmica, foquei bastante em algo chamado “Narrativa Psicológica”, que se concentra na concepção, nos valores e na moral das personas narrativas. Meu maior gatilho criativo é um sistema de perguntas que aprendi criando roteiros em audiovisual. Eu sempre me pergunto o “porquê” de tudo! Por que essa cidade? Por que criei esse personagem? Por que essa pessoa foi infectada? Por que ela deve morrer? Por que ela deve sobreviver? Qual é a mensagem por trás disso? Por que os personagens devem ir para o local X?

Os personagens são desenvolvidos com a ajuda de um estudo bem aprofundado de suas personalidades. Quais são suas qualidades e defeitos? Que tipo de problema podem causar ou evitar graças a suas características? O que esse personagem precisa aprender?

A protagonista, Carley, é uma anti-heroína, o que significa que haverá momentos da história em que vocês podem amá-la ou odiá-la. Personagens tridimensionais, como os presentes nessa história, requerem uma boa ficha biográfica e um bom estudo de narrativa psicológica, e isso por si só é bem desafiador. Tentei criar pessoas reais, com erros, defeitos e qualidades reais. Não há mocinhos ou vilões, há apenas pessoas, e creio que existe uma mensagem poderosa por trás disso, se escrito corretamente. Por isso, demorei muito tempo para conceber como cada personagem seria, mas foi — e ainda é — uma jornada maravilhosa.



Palavra & Verso - Durante a escrita de O Vale da Morte, qual foi o maior desafio que você enfrentou? E como conseguiu superá-lo?

Giovana Khalil - Sou muito perfeccionista com minha escrita, o que, por vezes, chegou a atrapalhar meu próprio processo. Levou um tempo para que eu me freasse e começasse a pensar: “Pare de ficar olhando para quantas páginas o seu livro vai ter! Escreva essa ideia. Se estiver ruim, é só apagar!”. Li, reli, escrevi e reescrevi meu material diversas vezes. O prólogo do primeiro livro foi escrito oito vezes até que eu ficasse satisfeita.

Um de meus maiores desafios no processo de escrita também foi a conciliação do tempo no qual os eventos principais da história acontecem. Há uma contagem de dias no primeiro livro, intitulada como A.C. e D.C. (Antes do Colapso e Depois do Colapso, respectivamente, uma pequena brincadeira com a nossa própria medição de tempo histórico) e, durante a marcação de tempo, tive que calcular exatamente qual seria a duração das ações dos personagens, que, por vezes, sequer estariam no mesmo ambiente. Por exemplo: “Que horas seriam quando o personagem X fez a ação Y? E o que o personagem Z estaria fazendo nesse meio-tempo?”Fiz dezenas de esboços em papéis sobre essa contagem de tempo! Isso fez parte de praticamente todo o processo de escrita.



Palavra & Verso - Existe alguma cena ou momento em O Vale da Morte que foi particularmente difícil de escrever? O que tornou esse momento tão desafiador para você?

Giovana Khalil - Gostaria de nomear dois momentos. O primeiro deles acontece no capítulo 17, onde há uma reflexão sobre um ente querido que foi infectado. Toda a reflexão foi um processo extremamente pessoal porque, durante aquele momento, na vida real, eu estava perdendo uma avó para o câncer. Minha avó Maria morava na mesma casa que eu; o quarto dela ficava ao lado de onde eu dormia. Descrever uma doença que tira a vida de alguém, fazendo a vítima “diminuir” diante de seus olhos enquanto eu passava por isso na minha vida pessoal, foi extremamente difícil.

“Era difícil assistir (spoiler) ficando cada vez menor e mais fraca diante de meus olhos, forçando-se a sorrir, mas sabendo que a linha de sua vida se afinava a cada segundo.”

Este foi um trecho em que tive que parar de escrever por uns dois dias até conseguir retomar a escrita novamente.

O segundo momento aconteceu no capítulo 22, onde a protagonista passa por um colapso mental. É difícil descrever algo que já me prejudicou tanto na vida real. Sofro de depressão grave e já passei por diversas crises depressivas e colapsos nervosos. Unir tudo isso e extrair a pura sensação daquilo foi o maior desafio que tive na vida — especialmente considerando que nunca fui aberta emocionalmente.

Me senti muito assustada ao colocar tudo aquilo para fora, de forma que participasse da narrativa, porém, fiquei orgulhosa do resultado.



9. O título O Vale da Morte é bastante impactante. Qual é o significado por trás dele e como ele se conecta com a história e a jornada dos personagens?

Giovana Khalil - O Vale da Morte possui diversas analogias. A primeira e mais óbvia está relacionada à referência bíblica de mesmo nome – também citada diretamente no livro. Harry, um personagem que usa a religião como forma de lidar com o apocalipse, utiliza a mesma analogia para ganhar forças e sobreviver no mundo distópico: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo.”

A segunda analogia, que envolve a jornada de todos os personagens, é a associação da passagem bíblica com o apocalipse em si. Eles estão vivendo no próprio Vale da Morte. Penso que, em um universo apocalíptico, a abordagem da fé é muito importante para ditar objetivos e ações. Acreditar em alguma coisa, mesmo sem saber exatamente no quê, faz parte da construção da jornada dos personagens. É muito perigoso para eles existirem em um mundo onde não sabem por que fazem parte daquela parcela que sobreviveu. Com isso, devem se apoiar em alguma coisa — seja acreditar uns nos outros, crer na esperança ou simplesmente em um ser superior. O conceito literal de fé é retratado como um tipo de bússola. Esses debates sociais estarão em destaque no primeiro livro.

Penso que, quando você apresenta uma situação inimaginável, como “mortos voltando à vida”, para um grupo de seres humanos, eles serão obrigados a improvisar, e esse improviso pode custar a vida deles. A ambientação no apocalipse zumbi faz isso: apresenta o surrealismo e obriga os personagens (e o leitor!) a conviverem com o que não conhecem — o que torna o cenário ainda mais perigoso.



Palavra & Verso - O Colégio Martin Torrence é o principal cenário do livro. O que ele representa para a história e para os personagens, especialmente em meio a um apocalipse?

Giovana Khalil - A passagem pelo Colégio Martin Torrence representa a transição do mundo ordinário para o mundo novo. Pegar algo que os personagens conhecem e no qual passaram parte de suas vidas e ressignificar isso totalmente de forma trágica é quase como um tipo de “batismo” para os personagens. É o primeiro grande corte com a vida que costumavam ter e a primeira introdução ao Novo Mundo. (Eis de onde tirei o nome da franquia: Crônicas do Novo Mundo.)

Colocar os personagens no Colégio Martin Torrence (“Torrence” sendo uma referência a um personagem de Stephen King, Jack Torrence) foi como dizer: “Olhem, vejam esse lugar? É bem familiar, certo? Tudo o que é familiar para vocês vai ser destruído totalmente. E vocês terão que encontrar um mundo novo – e terrível – no mundo que viviam antes.”



Palavra & Verso - Em um cenário de apocalipse, o que é mais difícil para os personagens: enfrentar os monstros externos, como as ameaças físicas, ou lidar com os monstros internos, como o medo e a desconfiança?

Giovana Khalil - Com certeza, lidar com os monstros internos. Tentei fazer uma história que ultrapassasse o limite da sobrevivência física em grupo. Com certeza, o leitor entrará em contato com pautas que julgo serem importantes, como, por exemplo, os tratamentos para a saúde mental, abordagens de ansiedade, depressão, luto, colapsos nervosos e como é importante respeitar suas próprias emoções – sejam elas tristes, raivosas ou felizes. É importante saber, acima de tudo, o que você está sentindo; e compreender também que as pessoas sentem as coisas de forma diferente e isso não te faz uma pessoa horrível.

Seus defeitos podem te tornar forte E TAMBÉM te prejudicar. Assim como suas qualidades. Ambos podem ser usados para te ajudar ou te atrapalhar, e isso é colocado à prova durante toda a franquia.

 


Palavra & Verso - Como o gênero de terror se encaixa na sua visão como escritora? Sempre foi algo que você quis explorar ou foi um caminho que você tomou de forma mais recente?

Giovana Khalil - Sempre fui apaixonada por histórias de terror, especialmente as do gênero “Terror Psicológico”. Amo abordagens com qualquer coisa que beira o surreal – como mortos que voltam à vida. Gosto de como os personagens de tais histórias ficam sempre na beira do abismo, com conflitos mentais, questionando seus próprios valores e até onde iriam para proteger alguém que amam.

De certa forma, acho que espelhei o “medo pelo desconhecido” exemplificado com constância em histórias de terror com minhas experiências pessoais com saúde mental – quando eu era uma pré-adolescente que não fazia ideia do que, exatamente, tinha medo. A depressão era uma criatura de sete cabeças que eu não podia ver. Hoje, já em um estado de tratamento agradável, analiso as coisas dessa forma.

 


Palavra & Verso - O que os leitores podem esperar de você nos próximos projetos? Há algo novo em que você está trabalhando atualmente?

Giovana Khalil - No momento, estou trabalhando na sequência de “O Vale da Morte”. O livro já está escrito, mas está passando por uma revisão narrativa bem detalhada. O projeto, no qual revelei o nome em minhas redes sociais, se chamará “Inverno de Sangue” e promete ser ainda melhor que o primeiro livro e ainda mais bem escrito. A adrenalina será o sangue que fará o livro fluir!

Em relação a projetos de outras histórias, flerto bastante com a Fantasia e a Aventura, então com certeza haverá histórias desse tipo saindo do papel no futuro.

 


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