Uma conversa literária com Felipe Brinker
- palavraeverso
- 4 de abr.
- 9 min de leitura
"Basta uma pessoa ser tocada pelas palavras de vocês e gerar reflexões para que a missão de vocês esteja cumprida."
Felipe Brinker nasceu em Estancia Velha, mas morou sua vida toda em Novo Hamburgo.
É bacharel em Comunicação Social pela Unisinos, professor, tem sua própria marca de cosméticos masculinos, além de barbeiro. Nas horas vagas, adora escrever, ler, jogar vídeo game e degustar whiskies de boa procedência de seu minibar.
Apesar de Doze Fragmentos ser seu romance de estreia, já possui tres livros escritos não publicados.
Nas redes sociais, atua apenas no Instagram - @lipebrinker. Possui também um perfil no Facebook, o qual está abandonado há um certo tempo.
Dando sequência para nossa série de entrevistas com autores da Palavra & Verso, trazemos aqui um pouco da trajetória literária de Felipe, bem como suas inspirações, seus próximos projetos, etc. Confira:

Palavra & Verso - Como surgiu a ideia inicial para Doze Fragmentos e o que te inspirou a combinar conceitos como viagem no tempo, mutantes e uma ordem de elite futurista?
Felipe Brinker - Então, já havia alguns meses que uma ideia permeava minha mente: escrever sobre um assassino do futuro que voltava no tempo, subjugava a guarda de Gengis Khan e o matava em seu salão imperial na calada da noite. Gengis Khan em particular, pois na época estava imerso na narrativa de Ghost of Tsushima. Um dos processos de escrita que possuo é tentar fugir da ideia que vem à cabeça, por mais contraintuitivo que possa parecer. Acredito que todos os escritores, à sua maneira, possuem tempestades de ideias na cabeça e nem tudo se traduz bem para o papel. Com isso, foquei em outras coisas durante o período de uma semana, onde, por coincidência, acabei assistindo a um filme na Netflix, “Sombra Lunar”, que trata justamente sobre viagem no tempo e matar pessoas más, contudo em um escopo mais regional e não tão histórico. Passado o período de enclausuramento da ideia, notei que ela se mantinha forte, o que me fez entender que era algo que eu realmente precisava escrever sobre, não apenas um devaneio passageiro.
Palavra & Verso - Como começou sua jornada na escrita e quais foram suas principais inspirações no início?
Felipe Brinker - Minha jornada na escrita foi bem peculiar, na verdade. Eu não era um grande leitor, tampouco tinha autores que me inspirassem. Tudo começou pelo falecimento do meu avô e da minha mãe em uma janela muito curta de tempo, quando eu ainda tinha apenas 18 anos. Aos 22 anos estava me formando na faculdade de comunicação e sentia aquela frustração por não ter quem eu amava ali por perto, o que foi escalonando para uma avalanche emocional. Meu trabalho de conclusão foi sobre os processos da jornada do herói e do monomito, propostos por Joseph Campbell, e como isso afetava as grandes marcas que faziam uso desse storytelling para vender seu conceito/produtos. Para tanto, foi necessário uma verdadeira Odisseia ao antro dos mitos africanos, propostos por Mircea Eliade, além das fábulas, lendas, seus cunhos ritualísticos e sua chegada até a Grécia antiga, onde, analisado os poemas de Homero — A Ilíada, principalmente —, algumas cenas de Aquiles foram tecidas ao meu projeto. Aquilo acendeu um fogo em mim, narrar as cenas de batalha e imaginar como era o campo de batalha. Comecei a rascunhar em paralelo e logo pausei para poder concluir minha graduação. Nisso, durante a apresentação da banca, uma das avaliadoras — professora de português, Ângela —, comentou que eu escrevia muito bem e de modo agradável, algo que eu deveria considerar levar para frente, principalmente nas cenas citadas de Aquiles no campo de batalha, desbravando o novo mundo e solidificando seu mito, o que, diga-se de passagem, hoje é justamente o meu ponto alto; cenas de ação. Após a graduação, conclui os rascunhos que havia iniciado e escrevi meu primeiro livro, ainda não publicado (e que acho que nunca será), intitulado Herdeiros das Estrelas, um calhamaço de mais de 600 páginas à sua época.
Palavra & Verso - O cenário de 2302 em Doze Fragmentos é complexo e distópico. Como foi o processo de construção desse mundo e dos seus elementos únicos?
Felipe Brinker - Na verdade não foi tão complexo. Reaproveitei algumas ideias desse meu primeiro livro nunca publicado e atualizei ele em alguns aspectos e contextos. A história do Rei Arthur e seus cavaleiros veio de inspiração de um anime que gosto muito e que faz algo parecido: “Fate/Grand Order”, onde Bedivere é o protagonista. Algumas outras inspirações foram, logicamente, “Cavaleiros do Zodíaco”, anime querido na infância de muitos, “Final Fantasy XII” — os juízes magistrados foram as inspirações para os inquisidores, assim como a estética do mundo futurista enclausurado em um deserto hostil —e, por fim, “Eu Sou a Lenda” é um filme que me agradou muito, por ter dado uma repaginada relevante no conceito de zumbis lerdos e genéricos, com eles sendo muito mais agressivos e fortes do que o normal, o que pensei ser um confronto justo contra guerreiros ornamentados e também com leves mutações, porém em menor número.
Palavra & Verso - Quais são os maiores desafios que você enfrenta ao escrever uma obra, especialmente considerando o cenário literário nacional?
Felipe Brinker - Que ótima pergunta. Primeiramente fazer o pessoal se interessar, pois os dados sobre leitura são alarmantes e notamos isso. Praticamente ninguém de pessoas próximas a mim interage ou engaja em questões literárias, seja deles próprios ou coisas que eu mesmo produza, desde livros a posts e resenhas, o que nos faz migrar para um outro lado, um outro público. Logo, penso que a forma de contornar isso é fazer uma história objetiva, direta e sem barrigas, com senso de movimento, para que as pessoas sejam entregues imersas à narrativa logo cedo e devorem o livro, pois hoje, nós, escritores, enfrentamos muita concorrência indireta: celular, video-game, streamings em geral e etc. É importante saber jogar na ínfima janela de tempo de interesse que temos com esses leitores, antes que abandonem a leitura da obra para fazer alguma outra atividade de lazer.
Palavra & Verso - Os personagens de Doze Fragmentos possuem personalidades e motivações complexas. Como foi o processo de criação e desenvolvimento deles ao longo da narrativa?
Felipe Brinker - Olha, eu não vou dissecar nem digressar individualmente sobre cada um deles, pois daí a resposta ficará maior do que a entrevista inteira hahaha. O que posso dizer é: juntem a emoção com a razão. Em outras palavras: juntem qualidades e defeitos de vocês com técnicas narrativas. Eu fiz dois cursos de escrita e estudei muito sobre dramaturgia, os três atos, a tragédia grega, a jornada do herói e o monomito e seus arquétipos, além de, em alguns casos de prosas mais melódicas ou melancólicas, algumas aliterações de Shakespeare também foram bem-vindas. Tudo isso um escritor bem equipado precisa ter. Somando todas essas escolas e criando minha própria identidade e subversão, bolei minha própria técnica e dinâmica, a qual é simbiótica a personagens falhos e trágicos, como nas tragédias gregas, onde Regulus é morto pelo próprio filho, por exemplo. Além de Regulus e seu ímpeto por perseguir o passado, podemos pegar Bedivere e sua imersão catatônica no passado como sendo outro reflexo humano, pois é meu. Perceval, por sua vez, possui uma ataraxia que todo dia busco, além de seu nome e sobrenome serem de whiskies de boa procedência do meu minibar. Ademais, também temos o transtorno obsessivo compulsivo que possuo como uma antítese a Pellionore. Ou as inseguranças impostas a Galahad, as quais refletem meus medos de falhar nos meus projetos, ou até mesmo as vigarices que soam como benesses através da imaturidade de Lancelot: os erros/pequenos atos de corrupção que cometemos na vida e, mais tarde, sábios, reconhecemos e tentamos ser melhores. Então, o segredo é esse: coloque qualidades reais em uma narrativa concisa e bem estruturada tecnicamente e aproveite a jornada, pois dará risadas e chorará com esses personagens. Por muito tempo, serão mais amigos seus do que qualquer outra pessoa no mundo.
Palavra & Verso - Como você lida com bloqueios criativos? Existe algum método ou ritual que ajuda a retomar o fluxo da escrita?
Felipe Brinker - Olha, eu poderia mentir, hahaha, mas serei honesto! Conforme escrito na minha biografia, gosto muito de degustar whiskies de boa procedência. Sempre que me deparo com alguma situação dessas, tento relaxar. Ponho uma música que converse com a cena e a emoção que quero passar para aquela cena e degusto um whisky para ver se diminuindo meu estresse, noto uma saída criativa para onde a história esteja me levando. Essa parte de desestabilizar a ansiedade é muito individual de autor para autor e é necessário muito cuidado para não ser algo danoso, como já conhecemos em vários casos de autores famosos. Agora, uma coisa que noto ser bem unânime é a ideia de escrever todos os dias para não perder o fluxo. Eu, particularmente, coloco de meta sempre escrever, no mínimo, duas páginas logo cedo da manhã. Feito isso, faço minhas coisas ao longo do dia e de noite revisito o que foi escrito com um olhar mais fresco, afastado da obra e menos viciado. Reviso e faço as mudanças necessárias. No dia seguinte, antes de escrever as próximas duas páginas, releio o que foi mexido na noite anterior para ter certeza e sigo a obra, e essa rotina se mantém mesmo com bloqueio. Eu preciso bater as duas páginas por dia, não importa como, nem que eu escreva apenas bobagens sem sentido. No dia seguinte, talvez eu possa tirar algum proveito do que foi escrito.
Palavra & Verso - Doze Fragmentos traz a ideia ousada de alterar momentos decisivos da história. Quais dilemas éticos e reflexões você buscou explorar ao trabalhar com esse conceito?
Felipe Brinker - O conceito sobre dever moral versus o preço a se pagar para salvar o mundo. Até que ponto deixar um inocente morrer para salvar a história é certo? Até que ponto matar um inocente para salvar a história é certo? São dilemas atemporais e diversificados. Nenhuma pessoa encarada com essas realidades jamais sairá sem cicatrizes ou traumas, o que, conectando à pergunta cinco, explica os personagens serem multifacetados e complexos, pois lidam com seus traumas e divergências com as próprias bagagens pessoais e suas visões de mundo.
Palavra & Verso - O que você espera que os leitores sintam ou reflitam ao terminar de ler Doze Fragmentos?
Felipe Brinker - Que não importa o quão rápido você tente correr, nem o quão forte é sua boa intenção ou quão doce é seu coração: você jamais alcançará seu passado e a direção a seguir é justamente no sentido oposto, para frente. Regulus, um dos vilões, nada mais é do que o reflexo do homem quebrado que não aceitou seu passado e se tornou algo nocivo ao espaço-tempo. Regulus e sua busca refletem nada mais nada menos do que a minha busca pessoal e incessante por voltar no passado e salvar todos que perdi e que não tinha deixado partir. Sei que essa resposta pode se tornar emotiva para muitos e, honestamente, assim espero, pois a escrita é catártica para mim e me salvou de mim mesmo por muitas vezes, de me tornar um monstro em meu próprio mérito. A escrita tem poder e é preciso gozar disso.
Palavra & Verso - Quais são seus próximos projetos literários e o que os leitores podem esperar de você no futuro?
Felipe Brinker - Então, nos próximos meses haverá o lançamento da minha segunda obra, mas não relacionada a esse universo. É um livro +18, cyberpunk e chamado “Coiote”. Para saberem mais, basta me seguirem aqui no Instagram, pois sempre estarei o atualizando com novidades. Para ano que vem, se tudo der certo, pretendo lançar Fragmento Fantasma, segundo livro da trilogia e a partir daí veremos como as coisas prosseguem, pois ainda há tempo. Caso não vença o prazo, é garantido que até 2027, no máximo, sai Fragmento Fantasma.
Palavra & Verso - Quais autores nacionais e internacionais mais te inspiram e influenciam sua escrita?
Felipe Brinker - Sinceramente, modéstia à parte, acho meu estilo de escrita bem única e autoral. Então, em técnicas de escrita, nenhum, pois sempre escrevi livros que eu gostaria de ler e evitando ao máximo ser o clone/sombra de alguém. Agora, se formos falar sobre elementos de storytelling, aí temos alguns que são pedradas. Eu possuo uma visão um pouco niilista em minhas obras, logo, essa visão turva e meio dúbia e com um final fatalista me agrada muito. As obras que mais marcaram minha vida por essa visão crua e sádica pisoteando a esperança são: “Trilogia dos Espinhos”, de Mark Lawrence, “First Blood”, de David Morrell e “Onde os Velhos não Têm Vez”, de Cormac McCarthy (do qual lerei “Meridiano de Sangue”, logo mais). Essa marcha ruidosa que esfacela a esperança nesses livros conversa muito intimamente com as minhas experiências, de entender que nem sempre o dia vai terminar bem, de que nem sempre o bem vencerá, mas a esperança dará continuidade aos trabalhos de quem fica. De que o projeto que iniciamos, se tocar as pessoas do nosso entorno, será continuado. Foi assim com a morte da minha mãe, a qual era uma pessoa que ajudava em ONGs diversas, buscava cartas de Papai Noel no correio e que sempre se sacrificou para dar o melhor por e para mim, mas que morreu com apenas 43 anos, devido a um câncer. Não imaginava que ela morreria naquele momento, por ser boa para o mundo, mas morreu, e de uma forma menos digna do que ela merecia e que eu esperaria para ela; aos poucos, com gazes nos olhos, fraldas e um tubo fino introduzido boca adentro até a traqueia, para garantir ventilação mecânica e oxigênio para o corpo cansado na cama da UTI. Deveria ter sido dormindo, em paz e em casa, mas não escolhemos essas coisas. E os pedacinhos da esperança que ficaram no chão após a partida dela e dos outros, foram recolhidos, colados novamente e segui adiante. Por vezes, dessas frestas, vazam emoções, ainda assim, mesmo machucado, seguimos. É sobre isso que é a vida.
Palavra & Verso - Gostaria de deixar um recado de motivação para novos escritores continuarem a buscar por seus sonhos?
Felipe Brinker - Sempre. Escrevam sem esperar público. Escrevam sem esperar sucesso ou retorno financeiro. Escrevam por vocês, para vocês. Respeitem a arte da escrita e o poder holístico que ela pode ter em transmitir e vazar emoções. Basta uma pessoa. Basta uma pessoa ser tocada pelas palavras de vocês e gerar reflexões para que a missão de vocês esteja cumprida.
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